domingo, 10 de fevereiro de 2013

Fractura exposta#

A vida ri-se das probabilidades e põe palavras onde imaginamos silêncios e súbitos regressos quando pensávamos que não nos voltaríamos a encontrar.” José Saramago

Como, mas como é possível que esta frase me tenha vindo passar pela frente, logo hoje, logo agora. Estou que não posso de frustrada, deprimida, triste e até preocupada. Começo pelo fim, pois o que me preocupa é precisamente não ser onde fica o meu princípio e o meus meio. Ontem no parque infantil um pai dum miúdo que é colega da minha filha disse-me que andava há imenso tempo para me dizer que já me conhece de há muitos, muitos anos (pelas minhas contas mais de 20 anos) dos tempos em que fazia campos de férias. Porra ! Caramba! Merda ! Eu sabia...mas como, como é que eu não me lembrava, como é que não me lembro, porquê e como é que eu já me esqueci??? Sei e tenho a certeza que foram os melhores anos da minha vida, lembro-me com imensa saudade das aventuras, de tudo o que aprendi -e foi tanto naquela altura, das minhas paixões- e então se foram avassaladoras, da diversão, das emoções fortes, do desabrochar para a vida adulta, da timidez à explosão da personalidade, mas não me consigo situar no espaço e no tempo e tenho mesmo enormes brancas de situações que de modo algum tenham sido traumatizantes, mas antes pelo contrário...Então porque não me lembro, porque me esqueci? Já é suficientemente triste eu não me lembrar por exemplo do meu pai e da minha mãe juntos, da parte boa que é ser criança, da escola primária, do colégio, das brincadeiras e dos amigos, do liceu...Tenho apenas vagas memórias de bons momentos aqui e ali, de casa dos avós, de férias passadas com eles, de brincar com a minha vizinha de cima, de algumas professoras que me marcaram,de coisas que senti. Agora, das minhas dúvidas e angústias e atrofios e raivas e perguntas sem resposta e sentimentos confusos e paixões e primeiros beijos e amores e frustrações e traumas e apertos no coração e tristeza, disso lembro-me de tudo....Mas e as pessoas , os amigos, as viagens as coisas boas? onde estão guardadas ou escondidas? Como é possível que os meus 38 anos se resumam a tão pouco? Não consigo explicar a confusão que isto que faz, que ontem me fez ele lembrar-se tão bem de mim e eu não fazer ideia de quem era e sobretudo onde estava. Ele saber mais de mim que eu. Praticamos Aikido juntos, fizemos campos de férias juntos, fui animadora dele num intercâmbio em Itália e por mais esforço que faça não sai daqui nada...A minha vida , os meus 38 anos não se podem traduzir num vazio tão grande ! Caramba,alguém consegue imaginar o que isto me está a doer? Já não sei quem sou, pois nunca percebi quem fui. Alguém me poderá ajudar, por favor?
 



















































































































6 comentários:

  1. Porque é que esse encontro não pode passar por escreveres a tua história ?
    E, porque não, também a tal história da tua família de que falamos no outro dia ?
    Quem sabe não é tudo uma questão de organizares e passares a limpo quem és e de onde (ou de quem) vens ?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. infelizmente é muito mais complicado que isso...a minha história na minha família não tem nada de interessante que se lhe diga, por isso o interesse no antes de mim. O que me preocupa é estes vazios das coisas realmente boas que me aconteceram e que os outros não esqueceram de mim. Pergunto-me se algum dia este nevoeiro se abrirá e eu consiga ver-me com clareza.

      Eliminar
  2. às vezes tb penso sobre isso mas na perspectiva contrária, eu sou a que tem memória dos pormenores, (ainda que já me vá esquecendo de "determinados detalhes") e qdo estou face a uma pessoa que não se recorda, em vez de ficar contente com a minha memória, fico incomodada. Dá-me a sensação que eu me recordo das coisas porque a minha vida deve ser muito pouco emocionante, do tipo "não se passa nada" e que as pessoas que não se recordam devem ter vidas muito mais preenchidas, de tal forma que só terão lembranças de outros eventos "maiores" das suas vidas. Nunca me tinha ocorrido que pudessem sofrer deste tipo de "branca"...quase que me conforta perceber que afinal o que tenho não são só "memóriazinhas"... por outro lado não consigo conceber esse teu nevoeiro, deve ser mesmo aflitivo. Ainda assim, repara bem se a minha primeira teoria pode ter fundamento, podes ter passado por tantas coisas que sem reparar o teu cérebro fez delete em acontecimentos que julgou não serem relevantes, porque não sabias que mais tarde na vida ias querer/precisar de recordar-te deles!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. sabes, por uma lado penso muito nisto: será que isto é só a minha memória a pregar-me partidas ou é apenas um mecanismo de defesa para me proteger? Sei que a minha vida foi muito intensa e lembro-me de todas as partes más e é isso que quando sou confrontada com a suposta parte boa da coisa me deixa angustiada. O mais curioso é que eu tenho uma memória visual incrível...resta-me esperar que as pessoas que conviveram comigo, me consigam mostrar quem fui ;-)

      Eliminar
  3. Oi M.

    já tinha vindo espreitar o teu blog, mas é a primeira vez que sinto necessidade de te deixar um comentário...
    É impressionante que ao ler-te me consiga identificar plenamente. E no entanto, ainda me lembro de muita coisa. A minha sis não se lembra de quase nada da infância e as primeiras lembranças são quase já da pré-adolescência... Não te posso dizer o porquê exacto do bloqueio, mas posso dizer-te que costuma ser um mecanismo de defesa - no teu caso possivelmente relacionado com a separação (que parece ter sido) traumática dos teus pais. é possível que tivesse sido muito doloroso na altura lembrares-te das coisas boas, e então o teu cérebro tenha decidido bloquear esses conteúdos temporariamente. A parte boa, essas memórias não estão perdidas, continuam em ti. E vão aparecendo quando menos esperas (como no post da baba-de-camelo). Se não tiveres paciência para esperar - terapia intensiva também ajuda... =)
    beijinhos,

    R

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. obrigada pelas tuas palavras, também acredito que vai ser assim e tem sido de facto depois de ser mãe que mais me lembro e mais que faz querer lembrar. beijo.

      Eliminar