quinta-feira, 26 de julho de 2012

Dor-sabafo



Hoje, não fosse um pequeno gesto ter tido um efeito de ignição nas saudades que residem em mim e este dia dos avós teria sido completamente (in)diferente. Triste por motivos próprios desta época que vivemos demasiado á pressa e cheia de pressão. Ser-se avô nos dias que correm não tem nada que ver com o tempo dos nossos avós, que para além de terem sido pais sempre presentes também tomaram conta dos filhos dos seus filhos. Hoje os nossos pais das duas uma, ou ainda estão a trabalhar e a lutar por uma reforma digna que lhes teimam em dar ou muito provavelmente já não têm bem idade, uma vez que somos pais cada vez mais tarde, nem forças para ficarem com os netos. Hoje há um lanche na escola da miúda para eles e nem os maternos nem os paternos podem estar presentes e isso é ligeiramente chato e um pouquinho triste. Sobretudo agora que me lembrei de como os meus avós maternos me fazem falta. Tudo o que sou hoje e o que quero ser o devo a eles, de um modo que talvez até hoje, eu mesma não tinha entendido. Mas aquele gesto da minha vizinha fez-me recordar a minha avó Laura, o seu enorme e largo sorriso, o seu cheiro, o seu penteado e cabelos grisalhos, os seus vestidos e o que calçava, as suas mão de pele quase transparente, as suas gargalhadas, as suas comidas, o ser carinho, o seu humor, a sua humildade, a sua rigidez, o seu encanto, a sua paciência, o seu aconchego e todo seu amor que nunca, nunca me faltou. Recordo com saudade as nossas idas à praça, os bons dias ás vizinhas, o levar o jornal ao meu avô que se enterrava no sofá no quartinho das palmeiras, de apontar no caderno com eles o preço da fruta e dos legumes, de ajudar na cozinha enquanto preparava o nosso almoço, de ajudar a meter a mesa na mesa redonda na salinha dos jogos, de mexer e mexer com a colher de pau o seu famoso arroz doce, de me deixar meter o pé no pedal da sua máquina de costura, do cheiro dos lençóis e das tolhas de mesa que desde sempre estiveram destinadas a cada um de nós, de me deixar regar o jardim, de ir apanhar limões, de a observar a fazer puzzles, de fazer os trabalhos de casa a seu lado, de ouvir as suas histórias, de rezar todas as noites ao anjo-da-guarda, dos nossos passeios, de virmos a Lisboa de comboio ao Chiado dos armazéns grandella, de me dares a mão, dos recantos lá de casa, das noites com todos lá por casa, dos Natais em que nos pediam para esperar no quartinho lá do fundo enquanto ordenavam as prendas na chaminé, de espreitar as gavetas do seu roupeiro, de puxar os lençóis da sua cama para cima, das noitadas de maj hong, de ouvir as notícias na televisão aos altos berros, das quermesses, do cheiro do jardim logo pela manhã, de baloiçar nos troncos da ameixeira, de fazer travessuras aos gatos do quintal da vizinhas, de fazermos doce de Gila, a tua letra, as viagens a Gouveia, o carro do avô, o toque, o cheiro e tudo o que partilhamos. Sinto demasiada falta do nosso passado. Tenho demasiadas saudades. Partiram demasiado cedo e hoje, sobretudo hoje fazem –me toda a falta do mundo.E agora , quem me consola ?

2 comentários:

  1. Fizeste-me chorar! Que saudades de tudo isso!!!

    ResponderEliminar
  2. texto bonito. gostei como passaste para o tu a meio do texto.
    talvez te sirva de pouco consolo mas podes pensar que ao menos pudeste passar esses momentos com os teus avós. existiram e farão sempre parte de ti.

    ResponderEliminar