Juro que fico de boca aberta
quando o universo, ou o algoritmo, ou o acaso, me presenteia com momentos
preci(o)sos , no momento certo. Mas logo hoje, quando me preparava para trocar
ideias e dúvidas com uma amiga e mãe sobre as nossas filhas e a escola, ter
esta frase escarrapachada no ecrã do telemóvel, foi arrepiante. Mas vamos por
partes.
Tenho a sensação que um
professor hoje em dia, se encontra refém das condições em que trabalha. Dos
números e das metas curriculares e dos conteúdos programáticos. Digo os
professores de hoje porque me parece que as mudanças ocorridas na sociedade, na
família e no sistema educacional, mudaram a realidade, mas não a sala de aula.
Aliás até agravaram. As novas relações familiares, a falta de limites das
crianças, a invasão inovadora da modernidade, a falta de tempo e as exigências
cada vez mais absurdas a troco de quase nada, a falta de preparação dos
professores, a imaturidade das crianças, minam as relações entre todos,
educadores e pais e crianças e o seu papel, num momento em que
paradoxalmente se espera que a escola
assuma cada vez mais tantas atribuições complexas, para além das
tradicionalmente desenvolvidas. Não aceito por isso comparações com os outros
tempos, os de antigamente, porque são precisamente outros tempos. Mas também
não aceito que se criem ansiedades e frustrações desnecessárias, tanto a um
professor como a um aluno, por não conseguir cumprir em muito menos que uma ano
os 69 pontos das metas curriculares de português ( que ainda nem fui ver as
restantes disciplinas). Ler um texto com articulação e entoação razoavelmente
corretas e uma velocidade de leitura de, no mínimo, 55 palavras por minuto. À
sério ?! Alguém que me explique como se eu tivesse 6 anos porque raio a
velocidade e a quantidade de letras que lemos é relevante à nossa aprendizagem?
E se só dissermos 54 em 62 segundos? Pois parece que não ficamos retidos no
primeiro ano e depois lá vamos nós para o segundo com muitos mais problemas.
Tudo isto me soa a fracasso em vez de construção. Toda esta frustração só gera
medo e ansiedade, que depois se reflete em acções desproporcionadas e descabidas,
sem sentido nenhum. Quem é que no seu perfeito juízo castiga uma criança por
esta não estar com problemas no processo de aprendizagem, que ainda está a
decorrer? Quem está cansado, irritado,
frustrado, desnorteado.
Então, se o desejo da sociedade
é construir homens fortes, precisamos rever nossos conceitos educacionais e
travar uma batalha contra essa invasão de que
tudo parece ser normal. Os pais estão perdendo os filhos para um
fantasma que os assombra por muito tempo, e eles não sabem como exorcizá-lo: o
fantasma da ausência. O mundo acelerado exige que se trabalhe cada vez mais
para que os filhos possam ter mais. Porém, será que apenas isso os satisfaz?
Será que não seria muito mais significativo para uma criança uma conversa ao pé
da cama ou um beijo de boa-noite do que um telemóvel novo? Será que uma visita
repentina à escola não faria mais efeito do que o aparecer apenas na festa de
final de ano? Existem educadores que nunca viram os pais dos seus alunos. A
escola passou a ser um orfanato. Os complexos dos adolescentes e adultos —
baixa autoestima; a insegurança para dar os primeiros passos, escolher uma
profissão, mudar de emprego; ou até mesmo fáceis tarefas como escolher uma
roupa — serão sempre reflexo da infância sem limite. Quando percebermos que a
solução para esses conflitos é o seio de uma família bem alicerçada pelo
respeito, pelo amor e pelo afeto ao próximo, grandes conflitos mundiais serão
solucionados, porque todos eles são de ordem pessoal. Será difícil construir
uma rocha, mas colher migalhas perdidas no caminho será sempre impossível.
Assim Caminha a Humanidade tem sido a desculpa mais comum entre muitos, porque,
muitas vezes, eles mesmos desconhecem onde cometeram os primeiros erros.
As crianças não precisam de
manual para ser compreendidas, precisam de pais que assumam compromissos, que
saibam que há uma enorme diferença entre criar e educar. Crianças educadas são
fortes emocional e fisicamente, crianças criadas são apenas fortes fisicamente
e gastam essa energia de forma errada. Limitar é ensinar a tolerar frustrações.
É prevenir para que, no futuro, uma dificuldade qualquer não se transforme em
uma barreira intransponível. Limitar é ensinar que todos temos direitos, mas
deveres também. Limitar é mostrar que o outro também deve ser considerado
quando nos decidimos a agir, que nunca devemos pensar apenas em nós mesmos,
mas, sim, compreender que vivemos em grupo — ou seja, convivemos. É, antes de
tudo, preparar nossos filhos para o exercício da cidadania. É, pois, uma parte importante
do trabalho educacional da família. Um pai e uma mãe conscientes não se deixam
levar pelo medo do que está acontecendo pelo mundo fora; ao contrário, tudo o
que acontece na sociedade deve servir de base para encontros e conversas com os
nossos filhos. E, finalmente, dar limites é dar responsabilidade, o que implica
tornar nossos filhos, mais cedo, adultos responsáveis. É preciso saber educar
sem culpa. É preciso falar e debater
entre pais, educadores e professores. É preciso agir e é já. Aviso já que não
aceito que me digam que estou a exagerar.
* Frase de Frederick Douglass
Deixo também o link que vos leva ao burocrático do programa e metas curriculares de português do ensino básico
Sem comentários:
Enviar um comentário